Por Emerson Pereira – Foto Thiago Gadelha
Desde o fim de 2021, quando o Uber Moto foi lançado em Aracaju (SE), o uso de motocicletas por aplicativo se espalhou rapidamente pelo país. A modalidade conquistou espaço por oferecer um transporte ágil e de baixo custo, especialmente em cidades com congestionamentos constantes e transporte coletivo ineficiente. No entanto, junto com a popularização, vieram também os efeitos colaterais — entre eles, batalhas jurídicas e o aumento preocupante no número de acidentes envolvendo motos.
Não se trata de uma crítica direta às motos por aplicativo, que cumprem um papel importante na mobilidade urbana. Mas é necessário reconhecer o outro lado da equação: o sistema de saúde brasileiro tem sentido o impacto desse fenômeno. Em diversas capitais e cidades de médio porte, hospitais públicos e privados enfrentam superlotação nos leitos de emergência e ortopedia, em grande parte devido a quedas e colisões com motocicletas. E o perfil das vítimas tem mudado — não são mais apenas os condutores, mas também os passageiros, em sua maioria mulheres, que sofrem com as consequências desse tipo de acidente.
O problema se insere em um contexto ainda mais amplo. Em 2024, o trânsito brasileiro matou quase 35 mil pessoas, sendo mais de 13,5 mil ocupantes de motocicletas, segundo dados oficiais. Outros 160 mil ficaram gravemente feridos. Os números escancaram um ciclo vicioso: a deterioração do transporte público empurra cada vez mais brasileiros para o transporte individual, como motos, carros e aplicativos. Esse movimento, por sua vez, enfraquece ainda mais os sistemas de transporte coletivo, reduzindo a demanda e agravando a crise do setor.
O país vive, portanto, um dilema. Continuar no caminho de um modelo de mobilidade semelhante ao do Sudeste Asiático — marcado pela predominância das motos — ou resgatar o transporte coletivo como principal forma de deslocamento urbano. E, segundo uma pesquisa da Confederação Nacional do Transporte (CNT) realizada em 2024, ainda há espaço para essa recuperação.
O levantamento mostra que parte significativa dos ex-usuários do transporte público voltaria a utilizá-lo se houvesse melhorias: 21,2% retornariam com tarifas mais baixas; 19,8% se o conforto aumentasse; 19% se as viagens fossem mais rápidas; 14,3% se houvesse maior flexibilidade de horários e rotas; e 12,8% se a pontualidade fosse garantida.
Esses dados revelam que ainda há um público disposto a trocar a garupa de uma moto por um assento em um ônibus — desde que o sistema ofereça segurança, eficiência e dignidade. O desafio está lançado: o Brasil precisa decidir se quer continuar acelerando rumo ao risco ou reconstruir um transporte coletivo capaz de reconquistar seus passageiros.





