Por Emerson Pereira – Foto Emerson Pereira
Parados há mais de duas décadas na sede da Limpurb, em Salvador, alguns ônibus antigos ainda carregam, em sua lataria enferrujada, a identidade visual da Transur — a extinta empresa pública de transporte coletivo da capital baiana. Criada em 1979 e desativada em 1997, a Transur representou uma tentativa da prefeitura de assumir um papel mais ativo na mobilidade urbana, operando linhas periféricas e complementares ao sistema privado.
Com o fim da empresa, restaram processos trabalhistas, frota sucateada e uma história que, aos poucos, desapareceu dos debates sobre transporte público. Mas os ônibus que resistem ao tempo — ainda que abandonados — levantam uma pergunta importante: o que Salvador poderia fazer com esse patrimônio esquecido?
Uma frota com função social
A Transur surgiu em um momento de forte expansão urbana, quando muitas regiões da cidade ainda não eram atendidas pelas empresas privadas. Sua criação buscava garantir acesso à mobilidade em bairros periféricos e reforçar a presença do poder público num setor estratégico.
Com sede própria, garagem e equipe técnica, a Transur operou por quase 20 anos. Seus ônibus, facilmente reconhecidos pela pintura azul e branca e pelo símbolo da prefeitura, faziam parte do cotidiano de milhares de soteropolitanos.
Fim da linha e apagamento
Durante a década de 90, dificuldades financeiras e políticas de reestruturação do setor levaram ao enfraquecimento da empresa. A Transur foi oficialmente extinta em 1997, deixando uma série de passivos trabalhistas. Parte da frota foi usada como pagamento de indenizações, e o restante foi leiloado — sem sucesso.
Hoje, alguns dos últimos ônibus que não encontraram destino permanecem guardados na sede da Limpurb, em visível estado de abandono. Entre ferrugem, vidros quebrados e letreiros desbotados, ainda é possível identificar elementos que marcam um capítulo importante da história da mobilidade de Salvador.
Memória e oportunidade
Mais do que veículos, esses ônibus são testemunhos físicos de uma época em que o transporte coletivo também era operado diretamente pelo município. São peças únicas, que guardam valor histórico e simbólico — especialmente em uma cidade que, como tantas outras no Brasil, tem dificuldade em preservar sua memória urbana.
Diante disso, cresce uma ideia simples e poderosa: por que não transformar esses ônibus em acervo de um futuro Museu do Transporte Público de Salvador?
A proposta abriria espaço para resgatar e valorizar a trajetória da mobilidade na cidade — dos bondes aos ônibus, das empresas públicas às privadas, dos sistemas operacionais às experiências dos passageiros. Um museu desse tipo poderia reunir veículos, mapas, bilhetes, documentos e relatos orais, conectando passado, presente e futuro.
Do abandono à valorização
Enquanto os ônibus remanescentes da Transur apodrecem sob o sol, Salvador perde a chance de manter viva uma parte fundamental da sua história. Iniciativas como a criação de um museu ou mesmo a restauração simbólica de um desses veículos poderiam resgatar não apenas o valor material, mas sobretudo a memória coletiva de uma cidade em movimento.
Preservar o que restou da Transur não é olhar apenas para o passado — é lançar um olhar mais consciente e crítico sobre como o transporte público foi, é e pode ser pensado em Salvador.