Por que as cidades estão desistindo da Tarifa Zero? Estudo aponta os motivos

0
35

Por Emerson Pereira – Foto Hellen Tôrres/NTU

A promessa da gratuidade no transporte coletivo, que ganhou força nos últimos anos, começa a enfrentar barreiras estruturais e financeiras, evidenciando que a implementação da chamada “tarifa zero” não é tão simples como parece.

A segunda edição do estudo “Tarifa Zero nas Cidades do Brasil”, publicado pela Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU), lança um alerta importante: após uma fase de rápida expansão entre 2020 e 2023, o número de novos municípios que aderiram à gratuidade total caiu drasticamente em 2024. Mesmo sendo um ano eleitoral, apenas dez novas cidades passaram a adotar a política, contra mais de 40 no ano anterior.

O dado evidencia um possível esgotamento do modelo atual, que tem se sustentado, majoritariamente, em decisões políticas pontuais e na utilização de orçamentos locais. “A tarifa subsidiada – incluindo a tarifa zero, que é a tarifa plenamente subsidiada — só está funcionando, hoje, em cidades pequenas, com redes simples e orçamentos superavitários. Para crescer, precisa deixar de ser ação isolada de alguns prefeitos e se transformar em política pública nacional”, afirma Francisco Christovam, diretor executivo da NTU.

Expansão limitada e concentrada

Atualmente, 154 municípios brasileiros oferecem tarifa zero de maneira universal – ou seja, válida todos os dias e em todas as linhas. No entanto, 79% dessas cidades têm menos de 100 mil habitantes, demonstrando que a gratuidade ainda é uma realidade restrita a contextos urbanos menores. Das 307 cidades brasileiras com mais de 100 mil habitantes atendidas por transporte público organizado por ônibus, apenas 12 oferecem o benefício integralmente — o que representa menos de 4% desse universo.

Apenas uma nova cidade de médio porte – Sorriso, no Mato Grosso – aderiu à política de gratuidade plena no último ano, o que reforça o cenário de desaceleração.

Desafios estruturais e financeiros

A viabilidade da tarifa zero está fortemente vinculada à simplicidade dos sistemas de transporte e à existência de fontes extraordinárias de receita. Cidades como Maricá (RJ) conseguiram manter o benefício graças a recursos provenientes de royalties do petróleo — só em 2024, foram R$ 87,6 milhões destinados ao programa. Já em outras localidades, como Luziânia (GO) ou Caucaia (CE), os resultados econômicos foram expressivos, com aumento no consumo local e melhora na arrecadação.

Contudo, mesmo nessas cidades, os sinais de saturação começam a aparecer. Caucaia precisou cortar 23% da frota para conter custos. Em Assis (SP), o número de ônibus em circulação foi reduzido pela metade. E em São Luís (MA), o programa “Expresso do Trabalhador” chegou a ser suspenso por falta de verba. Esses exemplos demonstram que, sem planejamento técnico e financiamento contínuo, a tarifa zero pode comprometer a qualidade do serviço e, em casos extremos, ser descontinuada — um retrocesso que impacta diretamente os usuários.

Benefícios existem, mas exigem cautela

As prefeituras que adotaram a tarifa zero destacam os benefícios econômicos e sociais da medida. Luziânia (GO) registrou aumento de R$ 25 milhões na economia local, com crescimento de 36% no comércio. Caucaia (CE) teve aumento de 25% no faturamento de serviços e arrecadação tributária. Em Paranaguá (PR), o comércio cresceu 30%, os acidentes de trânsito caíram 40% e a demanda no Restaurante Popular dobrou. Em Maricá, a economia para as famílias é estimada em 20% do orçamento mensal.

Esses dados mostram que o impacto positivo é real — mas dependente de um contexto favorável e de um modelo de financiamento bem estruturado.

Caminho passa por um novo Marco Legal

Para ampliar a política de tarifa zero de forma sustentável, a NTU defende a aprovação do novo Marco Legal do Transporte Público (PL 3278/2021), que já passou pelo Senado e tramita na Câmara dos Deputados. O projeto propõe a separação entre o valor pago pelo passageiro (tarifa pública) e o custo real do serviço (valor da remuneração às operadoras), criando as bases legais para subsídios públicos progressivos e transparentes.

“Essa separação é o primeiro passo para permitir tarifas módicas e remuneração justa pela prestação do serviço. Mas, sem planejamento, monitoramento e fonte de custeio permanente, o risco é cair na armadilha do ônibus gratuito, porém precário e insustentável”, ressalta Matteus Freitas, diretor técnico da NTU.

A entidade adota uma postura técnica: não é contrária à tarifa zero, tampouco a defende como solução universal. O que se propõe é uma análise caso a caso, com base em estudos de viabilidade, planejamento operacional e estrutura financeira sólida.

Conclusão

A tarifa zero pode representar um avanço importante na democratização da mobilidade urbana, mas seu sucesso está longe de ser garantido apenas pela vontade política. Sem um marco regulatório robusto, financiamento contínuo e planejamento técnico, a gratuidade pode ser uma promessa que se esgota no tempo — levando consigo a confiança da população no transporte público como serviço essencial e de qualidade.

LEAVE A REPLY

Please enter your comment!
Please enter your name here