Por Emerson Pereira – Foto Acervo Siemens
Houve um tempo em que a pressa da cidade era levada com calma, deslizando em trilhos pelas ruas estreitas de Salvador. Antes dos ônibus, do BRT e do metrô, quem ligava os bairros da capital baiana eram os bondes — puxados por burros no início, depois movidos à eletricidade. Durante quase 100 anos, esse foi o principal modo de transporte coletivo da cidade.

Tudo começou em 1869, quando Salvador firmou contrato para construir sua primeira linha de bondes. Em 1871, o trecho entre a Barroquinha e as Sete Portas foi inaugurado. Os bondes de tração animal circulavam por rotas que iam do Retiro ao Rio Vermelho, da Liberdade ao Comércio. Era o primeiro passo para uma cidade que se expandia e precisava se conectar.
Com o tempo, os burros deram lugar à eletricidade. Em 1909, os bondes elétricos começaram a circular com mais rapidez, conforto e eficiência. Eles cruzavam bairros importantes como Campo Grande, Barra, Itapagipe e Graça. Para muita gente, era o primeiro contato com a cidade além da vizinhança — e o começo de um cotidiano sobre trilhos. Era comum ver estudantes, operários e donas de casa embarcando em silêncio, observando a cidade passar devagar pela janela.

Mas nem tudo eram flores. Nas décadas seguintes, a precariedade na manutenção e os altos preços das passagens geraram insatisfação. Em 1930, um protesto de grandes proporções incendiou cerca de 60 bondes em Salvador, forçando a empresa a reduzir drasticamente sua frota. A cena dos veículos queimando ficou marcada na memória de quem viveu a época.

A partir dos anos 1950, os bondes começaram a perder espaço para os ônibus, que eram mais baratos de manter e não dependiam dos trilhos fixos. As linhas foram sendo desativadas aos poucos, até que, em 1968, os últimos bondes saíram de circulação. Os trilhos foram arrancados das ruas ou engolidos pelo asfalto. E assim se encerrou, sem grandes despedidas, um dos capítulos mais ricos e simbólicos da mobilidade soteropolitana.
Hoje, pouca gente sabe que Salvador já foi cortada por trilhos. Mas em certas ruas ainda se encontram vestígios metálicos no chão, lembranças silenciosas de um tempo em que a cidade andava devagar — e com poesia. Os bondes podem ter sumido das ruas, mas não da história.