Quando a profecia de Mãe Dinah quase virou realidade na Estação da Lapa

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Por Emerson Pereira – Fotos Márcio Costa e Silva/Arquivo CORREIO

Quem tem mais de 30 anos em Salvador provavelmente já ouviu falar da “profecia” atribuída à vidente Mãe Dinah: a Estação da Lapa vai cair. Nunca se soube ao certo se ela realmente disse isso, mas o boato ganhou força no dia 12 de abril de 1999, quando um dos cabos de aço que sustentam a parte superior do terminal se rompeu e paralisou a cidade.

Naquele tempo, eu tinha 12 anos. A internet ainda era um luxo distante, mas, mesmo sem redes sociais ou WhatsApp, a notícia correu rápido. A gente acompanhava pelas capas dos jornais nas bancas, pelas reportagens na TV e, principalmente, pelo boca a boca — que, em Salvador, sempre foi mais veloz do que qualquer sinal de wi-fi.

O episódio assustou. O Jornal Correio* estampou na capa a imagem dos cabos retorcidos e a manchete impactante: “Lapa interditada por risco de desabamento”. Era uma segunda-feira e o impacto foi imediato. Cerca de 87 linhas tiveram a operação transferida para outros pontos, como o Estacionamento São Raimundo (Barris), a Barroquinha e a França (Comércio). Para piorar, o dia foi marcado por chuva intensa, alagamentos e congestionamentos que multiplicaram o caos.

A prefeitura de Salvador liberou o Elevador Lacerda e o Plano Inclinado Gonçalves gratuitamente para tentar reduzir o sofrimento de quem precisava se deslocar. Mas a rotina dos cerca de 500 mil passageiros que utilizavam a Lapa diariamente foi completamente virada de cabeça para baixo. Muita gente caminhou quilômetros sob chuva para chegar ao trabalho ou simplesmente voltar para casa.

Foto Márcio Costa e Silva/Arquivo CORREIO

Relatos da época mostram o clima de pânico: parte da estação ainda estava aberta, mas muita gente se recusava a descer ao platô inferior. “A estrutura balançava quando os ônibus passavam, sem falar da umidade e da poluição que não circula. Quanto não faltou para uma tragédia?”, questionou uma funcionária pública de 40 anos em entrevista ao jornal.

Duas semanas depois, a Estação da Lapa voltou a funcionar. A empresa Promon, responsável pelos cálculos do projeto original em 1982, apontou a corrosão como causa provável do rompimento, afastando a hipótese de sobrecarga. Ainda assim, o episódio deixou cicatrizes na memória coletiva e reforçou o mito da profecia.

Vale lembrar que a Lapa já nasceu grandiosa: inaugurada como Estação Clériston Andrade, foi projetada pelo arquiteto João Filgueiras Lima, o Lelé, com 30 mil m² de área construída — considerada, na época, o maior terminal de transportes da América do Sul. A escada rolante que liga ao Colégio Central chegou a ser a maior do Brasil, com 12 metros. O terreno onde foi erguida pertencia às Irmãs da Imaculada Conceição, cedido em troca da construção de um convento no fim de linha de Brotas.

Hoje, passados mais de 4 décadas de operação, a Estação da Lapa continua sendo o coração da mobilidade em Salvador. Mas, para quem viveu abril de 1999 — como eu, ainda menino, curioso e impressionado com a repercussão — ficou a lembrança de uma cidade que parou diante do medo de ver sua principal estação ruir. Uma memória que mistura pânico, chuva, boatos e um sentimento coletivo de que a profecia, por pouco, não se concretizou.

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