Por Grace Gomes, superintendente de Mobilidade – Sedur Governo da Bahia
A Mobilidade Urbana não é igual para todos! Cada pessoa tem suas próprias necessidades e atividades a realizar na cidade, o que implica em escolhas por itinerários, modais, horários mais adequados para seus deslocamentos.
Do ponto de vista de gênero, a sociedade brasileira ainda é estruturada desigualmente na distribuição de funções e papéis, o que se reflete na organização do tempo de mulheres e homens. Isso gera padrões diferenciados de deslocamentos, impactando direta e desproporcionalmente na mobilidade urbana.
A mobilidade das mulheres é formada por deslocamentos complexos e multimodais, devido às diversas responsabilidades de trabalho e cuidado, bem como a questões de segurança, que as fazem adaptar seus percursos e meios de transportes para garantirem sua integridade.
A experiência da maioria das mulheres, desde que saem de casa até chegarem ao destino, resume-se em uma emoção: o medo – de assédio, assalto e até mesmo estupro em suas viagens diárias.
Os tipos mais comuns de assédio no transporte público são olhares provocantes, piscadas, gestos ofensivos, toques indesejados no corpo das mulheres e meninas, e agressão.
O desconforto com a segurança é multiplo: o modal do transporte, a relação com motoristas e passageiros, a área do destino e o ambiente das estações, terminais e pontos de parada – tudo pode ser ameaçador para mulheres do ponto de vista da segurança. O cuidado com os espaços relacionados ao transporte deve ser ampliado, buscando-se destinar mais recursos de segurança, como iluminação e visibilidade adequadas, para reduzir o risco de agressão a mulheres.
Para mudar essa realidade, o planejamento da mobilidade deve incorporar cada vez mais a perspectiva interseccional de gênero, incluindo também raça, etnia, presença ou não de deficiência, renda, idade e religião.
As pesquisas que baseiam os planos e projetos devem abranger todas essas especificidades, para que seja possível realizar um diagnóstico ainda mais preciso sobre tais perspectivas, beneficiando, dessa forma, a construção de políticas públicas mais eficientes e embasadas em evidências.
Como medidas práticas, os gestores públicos deveriam assegurar a disponibilidade e capilaridade do transporte à noite e durante a madrugada, instalando câmeras de monitoramento e aplicativos para denúncia, de forma a reduzir as chances de violência e assédio.
Em complementação à essas medidas, as operadoras dos sistemas de transporte deveriam fazer programas de treinamento para motoristas, cobradoras/es e outras/os funcionárias/os do sistema de mobilidade, para conscientizar e instruir sobre como lidar com casos de assédio sexual e violência contra a mulher, além da disponibilização de canais de comunicação e centros de atendimento à mulher, compostos de equipes multidisciplinares nas estações e terminais de transporte público.
Para uma empresa inclusiva, promover a equidade de gênero não é apenas um compromisso social, mas também uma estratégia inteligente de crescimento. As operadoras de transporte que investem na valorização das mulheres se tornam mais inovadoras, produtivas e preparadas para os desafios do futuro.
Para tanto, é fundamental aumentar a igualdade de gênero no setor para estimular uma maior presença de mulheres nas empresas públicas e concessionárias. É igualmente importante a presença de mulheres como um todo nos cargos com poder de decisão e no quadro técnico dos órgãos gestores, das empresas públicas e concessionárias vinculadas à mobilidade urbana.
Para a inclusão feminina não ser apenas um discurso, mas uma prática consolidada, o sistema deve contar com políticas estruturadas que garantam igualdade de salários, incentivo à liderança feminina e um ambiente seguro para trabalho das mulheres.
Entre as ações que fortalecem a presença e valorização das mulheres, destacam-se: recrutamento e promoção equitativos, garantindo que mulheres tenham as mesmas oportunidades de crescimento que os homens; ambiente de trabalho acolhedor, com medidas firmes contra assédio e discriminação; programas de liderança feminina, incentivando a ocupação de cargos estratégicos por mulheres; salários justos e oportunidades de desenvolvimento, assegurando equidade na progressão de carreira; e
contratação e promoção de mulheres grávidas, garantindo que a maternidade não seja um obstáculo para o crescimento profissional.
Por fim, é possível perceber que não é apenas a melhoria da infraestrutura que vai garantir uma mobilidade inclusiva. É necessário que haja transversalidade das políticas públicas para as mulheres, emprego e renda, e mobilidade, de forma a trazer constantemente para o debate questões relativas a assédio moral e sexual, rótulos associados à mulher no mercado de trabalho, restrições à gravidez, a suposta inferioridade intelectual das mulheres, ou a posição em que são colocadas como objeto de desejo. Somente assim tais questões poderão ser descontruídas.